Pacto das elites na História política dos últimos 35 anos do Brasil

A fraqueza dos partidos e de suas lideranças não indicam nenhuma capacidade de dar rumo. Teremos muita turbulência. As eleições de 2018, diferentemente de 1989, não estão carregando ventos de esperança.

28 jan 2018, 21:26 Tempo de leitura: 7 minutos, 22 segundos
Pacto das elites na História política dos últimos 35 anos do Brasil

A última ditadura militar no Brasil terminou em 1984. As forças armadas, não os partidos, eram a sustentação fundamental deste regime, embora a Arena fosse o partido do governo. Quando estava ruindo a ditadura, a Arena se dividiu em PDS e PFL, logo vieram seus herdeiros diretos do PP e do DEM. A Nova República foi o regime político que substituiu a ditadura militar. Sua sustentação fundamental encontrou-se nos partidos políticos, mais concretamente no Congresso Nacional, no poder judiciário e na instituição forte da presidência da república, eleita pelo voto direto desde 1989.

Após a ditadura militar as forças armadas seguiram com sua estrutura intacta, sem prisão para os torturadores, para seus mandantes, mantendo seu poder e servindo de garantia em última instância da ordem chamada democrática nascente. O PT surgiu quando as primeiras fortes mobilizações do operariado paulista do ABC abalaram o regime militar. Em 1983 foi o primeiro partido que chamou os comícios pelas diretas que levaram milhões às ruas em 1984. Em 1985 não aceitou o colégio eleitoral entre Tancredo e Maluf, se recusando a respaldar um governo não eleito pelo voto direto. Optou assim por se manter questionando a legitimidade governante se ela não tivesse o voto direto. Seguiu sendo o partido de maior crescimento no país apesar da vitória acachapante do PMDB nas eleições de governador em 1986, na esteira do plano cruzado, que não teve apoio do PT. O PMDB neste momento era o principal partido da Nova República e o PT se apresentava como oposição, criticando os planos econômicos do governo, planos apoiados para esmagadora maioria do Congresso Nacional e pelos governadores.

O PT se apresentava ainda como crítico do regime político enquanto um todo, mantendo a defesa das eleições diretas para presidente. Em 1988 o crescimento do PT aparece no terreno eleitoral com a vitória nas eleições de várias prefeituras, entre elas São Paulo e Porto Alegre. Pouco tempo antes três operários foram mortos devido a repressão do exército a uma greve na CSN em Volta Redonda. O plano cruzado já havia entrado em crise e o descontentamento com o PMDB era enorme. Um ano depois Sarney, o presidente da republica do PMDB, tinha que sair da presidência pela porta dos fundos do Palácio do Planalto. Foi o ano da primeira eleição presidencial depois de quase 30 anos. Antecedida por uma forte greve geral nos dias 14 e 15 de março a campanha de Lula foi um verdadeiro movimento político de massas.

A burguesia se assustou. Os grandes empresários se unificaram preocupados. Alguns setores políticos burgueses se somaram a Lula quando o PT passou para o segundo turno. Collor, um político marginal, desconhecido até o início da campanha, foi quem passou o primeiro turno para enfrentá-lo. Seu discurso foi a favor dos descamisados e contra os marajás. Ulisses Guimarães, o chefe da chamada constituição cidadã de 1988, que o PT não assinou, não teve 5% dos votos.

A presidência de Collor foi rápida. Num regime em que uma das bases de sustentação é uma instituição presidencial forte e/ou um Congresso Nacional que o dê respaldo, Collor perdeu a força mais rápido do que ganhou e logo perdeu o pouco respaldo que conseguiu lograr. Em setembro de 1992 teve seu impeachment. A transição foi o governo de Itamar, que era o vice de Collor. Todos os principais partidos entraram e sustentaram o novo governo. Foi feito um grande pacto para se chegar em unidade até às eleições seguintes. Este foi o segundo ato do pacto da Nova República. Setores políticos à esquerda que integraram o movimento de rua pelo Fora Collor — cuja composição social era basicamente a juventude estudantil, defenderam a continuidade da luta por novas eleições e rejeitaram o pacto. Tais setores foram basicamente as forças de esquerda do PT e a Convergência Socialista, expulsa do partido um ano antes. O PC do B defendeu a posse de Itamar, com o líder dos cara pintadas, Lindbergh Farias, sorridente ao seu lado (em 1992 a juventude ainda tinha lideres assim. Se é para ter tais líderes, prefiro o “não me representa” de junho de 2013). O mérito do PT foi não ter entrado no governo. Apenas algumas figuras do partido o fizeram, como Luiza Erundina.

Mas Lula e a cúpula petista deram respaldo à posse de Itamar e legitimaram o novo governo. Foram parte do pacto numa posição coadjuvante. Havia assim se dado um salto no compromisso entre os partidos e se estabelecido um pacto de governabilidade. Todos sabem que Fernando Henrique costurou no interior do governo de Itamar o plano real e sua campanha presidencial. FHC ganhou em 94 e foi reeleito em 98. Em 8 anos de gestão de FHC o PMDB esteve sempre no governo. E Lula e o PT deram várias demonstrações de respaldo ao regime político e a governabilidade. Aliás, antes de FHC assumir mostraram sua cautela, quando não foram até o final na denúncia contra as empreiteiras na CPI contra elas em 1993. Lula se recusou a respaldar a greve dos petroleiros em 1995.

Depois da derrota de 94, Lula afirmou que somente seria novamente candidato estando livre para fazer alianças. Em 2002, com a crise do neoliberalismo e do plano real, finalmente as chances de Lula estavam claras. A burguesia exigiu um novo compromisso para manter o pacto de convivência e respeito à governabilidade, agora com a hipótese de Lula vencer as eleições. Em agosto de 2002, foi assinada por Lula a carta ao povo brasileiro. Uma carta que até mesmo a cúpula do PT e os seus principais redatores, como Palocci, assumem como uma carta aos mercados (leia-se: ao capital financeiro). Neste momento o pacto que deu surgimento a Nova República, que tinha tido seu primeiro ato no colégio eleitoral — sem a participação do PT — e o segundo ato com a posse de Itamar — aceita pelo PT –, chegava num momento decisivo em que o PT assumia como protagonista central. Logo Lula seria o chefe do governo. Foi diante desta decisão do partido que surgiu o PSOL, já que aí já havia ficado claro que a vitória de Lula não representaria sequer uma revolução democrática nem traria reformas econômicas profundas. Mas aqui já é um assunto para o balanço dos 13 anos de governos petistas. Aqui, o que quero apenas assinalar é que o pacto da Nova República garantiu relativa estabilidade do poder burguês por muitos anos. Creio que até junho de 2013. Aí o regime trincou. Sua estabilidade foi quebrada e não pode mais ser restabelecida.

Com o impeachment de Dilma e agora a condenação de Lula, o PT foi expurgado do condomínio de poder que ele aceitou legitimar com a posse de Itamar mas sobretudo quando ele resolveu respaldar com a carta “ao povo brasileiro” em agosto de 2002. Desde 2016, tendo Eduardo Cunha como operador, a burguesia resolveu quebrar o pacto que havia sido estabelecido com o PT. Por isso não foi uma decisão sem crise e tampouco uma unanimidade entre os partidos e líderes da burguesia. A figura do operador mostra o tamanho da crise. Hoje Cunha encontra-se preso. Até Delfim Netto, economista conselheiro de Lula em duas gestões, lamenta o desenlace que levou a quebra de um pacto que foi tão útil para manter os planos econômicos burgueses em vigor e a ordem capitalista. Preferiam um pacto a ter que implementar uma governabilidade com o uso mais aberto da força. Até hoje Sarney mantém as pontes com a cúpula petista. Até no terreno eleitoral, pela força que mantém Lula no norte/nordeste na comparação com os demais candidatos, líderes como Renan Calheiros em Alagoas apoiam o petista e Eunício Oliveira, presidente do Senado, que é aliado de Temer, está próximo do PT no Ceará.

Mas o pacto foi quebrado. Não há sinais de recomposição possível, até porque muitas instituições não estão amarradas aos interesses dos partidos que detém as rédeas do poder. E a fraqueza destes partidos e de suas lideranças não indicam nenhuma capacidade de dar rumo. Teremos muita turbulência. As eleições de 2018, diferentemente de 1989, não estão carregando ventos de esperança. Como para o povo mais pobre nunca foi fácil mesmo, o melhor que pode fazer é se organizar e se preparar para lutar em defesa dos seus interesses. Ninguém fará isso por nós.