“O pagamento em dia depende da vontade do governo de combater os sonegadores”
Em entrevista ao Sul21, o candidato ao governo do RS tratou de suas propostas e o que pensa da unidade da esquerda.
25 ago 2018, 15:49 Tempo de leitura: 27 minutos, 17 segundosRoberto Robaina começou a militância em um marco histórico do Rio Grande do Sul. O Colégio Estadual Júlio de Castilhos, na Avenida João Pessoa, em meio ao bairro Santana, em Porto Alegre, viu passar em seus corredores nomes como Leonel Brizola, Moacyr Scliar, Paulo Brossard de Souza Pinto, além da geração de Luís Eurico Tejero Lisboa, o Ico Lisboa, jovens perseguidos e desaparecidos pela ditadura militar iniciada em 1964.
“Comecei a militar com 15 anos, em 1982, a ditadura estava caindo, mas não tinha caído ainda. Tínhamos mobilizações contra a ditadura, depois teve 1984, com a campanha das Diretas, Já, que foi mais forte. Aprendi mais sobre política do que sobre química no Julinho”, lembra.
Ele conta que a família, que não tinha envolvimento com política, sempre respeitou suas decisões, ainda que tivesse receio. Segundo Robaina, “medo é parte, medo se supera”. Hoje, a mãe e os dois irmãos mais velhos – um irmão que é professor na UFSM, outra irmã que dá aulas no colégio Anchieta e na rede municipal de Porto Alegre – são seus apoiadores.
Este ano, Robaina concorre pela terceira vez ao governo do Rio Grande do Sul. Ele foi candidato do PSOL em 2006 e 2014. Há um ano e oito meses, assumiu como vereador em Porto Alegre, tendo recebido 8.354 votos. A experiência das disputas da oposição, espectro no qual seu partido se encontra, com o governo de Nelson Marchezan Júnior (PSDB), ele diz ter sido útil.
“Achei útil, porque permite ter um nível de trabalho com as comunidades. Tenho trabalhado muito no Rubem Berta, na Restinga”, conta ele. “Tinha, mas era um contato mais indireto, porque eu não era vereador. Sendo vereador, a demanda vem diretamente para mim. Então, se estabelece uma relação pessoal também. Acho útil isso, porque permite cobrar dos governos, organizar mobilização. Permite, às vezes, encontrar soluções”.
Autor do projeto aprovado na Câmara que proíbe políticos de inaugurar obras inacabadas, Robaina afirma que o PSOL quer governar. Hoje, ele diz acreditar que há vereadores de partidos diferentes na Casa, que apoiariam um governo do PSOL.
“A famosa pergunta que nos fazem sempre, como vocês vão governar sem ter a maioria do Legislativo, a resposta agora tenho nessa experiência prática. Acho que quando tu governa a favor do povo, tu consegue apoios de parlamentares que não estão necessariamente no teu partido. O que nós queremos é isso mesmo, queremos governar”, analisa.
Casado com Inês, pai de Fernando, que é filho de Luciana Genro, que Robaina conheceu no Julinho e com quem milita desde então, na segunda-feira (6), ele foi o primeiro candidato ao governo gaúcho a registrar sua candidatura, com a coligação Independência e Luta para Mudar o Rio Grande, que une PSOL e PCB. Ele terá ao seu lado, como candidata a vice-governadora, a professora de história da rede estadual Camila Goulart, de 33 anos.
Na entrevista ao Sul21, Robaina, que é formado em História pela Ulbra, mestre e doutor em Filosofia, falou sobre propostas para áreas como saúde, educação, segurança e o que pensa da unidade da esquerda, tratada em debates em Porto Alegre entre Guilherme Boulos (PSOL), candidato à Presidência por seu partido, e Tarso Genro (PT):
Sul21 – Uma das questões levantadas ao longo dos últimos quatro anos de governo é a do parcelamento da folha de pagamento. Como o senhor pretende lidar com a questão dos salários do servidores estaduais?
Roberto Robaina – O déficit do governo é mais ou menos equivalente ao valor que o Rio Grande do Sul perde ao pagar a dívida com a União, uma dívida que já foi paga, e ao manter a Lei Kandir, que prejudica o Estado. Então, esses dois questionamentos nós temos. Nós defendemos não pagar a dívida e revogar a Lei Kandir. Por outro lado, isso são medidas mais econômicas, mas de luta política, porque dependem também de relações de forças e luta contra o governo federal, caso ele se disponha a enfrentar os interesses do Estado. Tem duas outras medidas que já são diretamente ligadas à ações imediatas do governo: o combate à sonegação (nós temos uma dívida de R$ 49 bilhões de grandes empresários com o Estado) e o combate às isenções fiscais injustificáveis. Só com a Videolar, que é uma empresa do Lírio Parisotto, aquele que foi acusado de agredir a Luiza Brunet, deram um benefício fiscal de R$ 380 milhões. Isso mostra um tipo de isenção injustificável, porque a Videolar, em contrapartida, deu 5 empregos. O pagamento dos servidores públicos em dia depende de uma vontade do governo de combater os sonegadores e de acabar com as isenções fiscais. Como outras medidas de investimentos. No caso específico do pagamento dos servidores públicos, que é uma obrigação básica, acreditamos que essa é a prioridade número um. É necessário, um dever do Estado, não se pode parcelar salários. É inconstitucional o pagamento de salários como o governo vem fazendo.
Como o senhor irá lidar com o pagamento da dívida com a União e como fará para que essa questão seja equacionada a longo prazo, não apenas durante um mandato? O governo atual fala sobre a necessidade de adesão ao Regime de Recuperação Fiscal.
No mercado financeiro é conhecido o ditado: quando a dívida é pequena o problema é do devedor, quando ela grande é, o problema é do credor. E a dívida do Rio Grande do Sul é muito grande. Se ela fosse muito grande e tivesse correto o processo de pagamento, ou seja, se fosse lícito o pagamento, o Rio Grande do Sul teria que dar um jeito de pagar, porque nós não somos advogados do calote. Não se trata de defender o calote. Mas, a dívida já foi paga, então, seguir pagando é algo indecente, inaceitável. As pessoas quando têm uma dívida que já foi paga, questionam de todas as formas. Demorou muito para ser questionado, mas até o governo Sartori tem questionado esse pagamento. É tão ilícito que o Estado suspendeu o pagamento e o Supremo Tribunal Federal aceitou. Nós acreditamos que, como ela é alta e já foi paga, o questionamento, a decisão firme do governo de não pagar é viável. Porque já tem uma consciência grande na sociedade que não se pode continuar desse jeito. A nossa aposta é essa e a solução, portanto, é evidentemente que, se continuarmos tendo governos nacionais que são inimigos do povo, vamos ter muito enfrentamento. Nossa aposta é, justamente, aumentar a consciência da população de que não pode continuar esse mecanismo de distorção, essa agiotagem que tem contra o Rio Grande do Sul.
Acho que [tudo isso] tem a ver com os interesses do capital financeiro, mais de R$ 3 bilhões ao ano, que drena dos cofres do Estado para a União e quem se beneficia, em geral, desses pagamentos são os bancos, os investidores dos títulos da dívida pública do governo, aqueles que enriquecem no negócio do dinheiro, não na produção. Nesse mecanismo de juros sobre juros, eles ganham simplesmente no mercado financeiro. É um dinheiro que eles ganham todos os anos em cima do esforço do povo gaúcho. O mecanismo da dívida é produzido pelo poder que tem a oligarquia financeira de pensar os rumos dos governos. Como eles, geralmente, são comprometidos com esses interesses, a conta é paga pela população.
O governo atual, nos últimos três anos, teve de lidar com greve de professores, sofreu críticas por adotar políticas como a questão de enturmação e fechamento de turmas. Além disso, o RS vem decaindo em índices de educação. Qual o projeto do senhor para reverter isso?
Robaina: Todo esse tema do desrespeito aos servidores, o ponto mais evidente dele é na educação. Os professores têm uma perda salarial, desde que Sartori começou, de 23% – isso contando a inflação oficial. Essa perda é produto de um governo que não deu nenhum reajuste aos servidores e, ao mesmo tempo, não paga os salários em dia. Nós estamos falando de uma categoria que recebe um salário muito baixo, o básico é R$ 1.360 para 40 horas. Não tem como ter uma educação de qualidade se o professor precisa trabalhar 60 horas para sobreviver. Em geral, é isso que ocorre. É uma luta pela sobrevivência para a categoria e eles, apesar disso, se esforçam horrores para educar os alunos. Só que a educação também não depende só do ambiente da escola. Depende de todo um contexto que está deteriorado. A violência na escola é muito grande, o entorno da escola está desprotegido, há uma situação de decadência da educação, como parte da decadência do Estado. Acho que esse é o ponto mais grave. E esse governo é um governo que fecha escolas. A escola é o principal local que se pode ter no Estado para garantir cultura, para garantir um lugar de convivência social que permita ajudar no combate à violência, na capacidade da sociedade de atrair os jovens para uma perspectiva mais ligada à cultura, tirar a juventude da criminalidade, mas não é isso que ocorre. Nós apostamos muito nisso, acreditamos que a educação é uma prioridade em todos os terrenos.
Por exemplo, no tema da segurança pública, uma das questões que demonstra isso é a necessidade de educar as famílias na luta contra o machismo. O crime contra as mulheres é uma das coisas mais presentes na sociedade brasileira e na gaúcha, em particular. Nós tivemos, em 2017, cerca de 22 mil mulheres com lesões corporais. O ataque às mulheres, o feminicídio, boa parte dos crimes estão vinculados com a família. É preciso ter uma política de choque cultural muito forte contra o machismo, pelo empoderamento das mulheres e isso, a escola, é um lugar fundamental para se fazer. Apostamos muito numa perspectiva de que a escola tem que ter RAP, tem que ter capoeira, atividades culturais que chamem a atenção da juventude, que fortaleçam essa associação e estimulem o jovem a se interessar pela educação formal. Obviamente que nada disso é possível se os professores são desrespeitados.
Os professores respondem à uma política de educação como prioridade. Agora, evidentemente, não se pode ter prioridade na educação com esse nível de desrespeito, sem reposição, sem pagamento em dia, com o salário tão baixo. É preciso ter uma política de recuperação, mas a política educacional pode ser feita além da questão salarial, fazendo da escola um lugar de resistência e de convívio.
A situação da saúde pública no Estado também tem sido de crise nos últimos anos. Como o senhor irá lidar com um cenário de congelamento de gastos pelo governo federal para as próximas duas décadas?
Esse congelamento inviabiliza qualquer coisa. A Emenda Constitucional 95 é para liquidar a saúde e educação pública. Não se pode congelar por 20 anos os investimentos. Eu acredito que isso tem que ser derrubado de qualquer jeito, que esse tipo de Emenda Constitucional tem que ser revogada. Ou vai ser revogada por lei ou vai ter muitas lutas que vão impedir que esse tipo de decisão seja cumprida. Evidentemente que um cenário de ter que obrigar o povo a lutar para que essa emenda seja derrubada é muito mais difícil, o ideal seria que nós tivéssemos um governo que revogasse. De qualquer forma, o tema da saúde, é óbvio que é uma crise nacional porque tem uma política de desmonte do SUS, o nosso modelo de saúde é um modelo onde o peso do Estado teria que ser muito maior e infelizmente não é assim. O Rio Grande do Sul tem um modelo que não é o estatal, mas é de privatização da saúde, isso é ruim, mas o modelo já está dado. Mesmo nesse modelo já dado, temos visto que o Estado tem atrasado o pagamento dos hospitais, ou seja, tem agravado o que antes já era grave, a ambulancioterapia. Os hospitais do interior não têm condições de atender, tudo tem vindo para a Capital e é uma situação muito ruim. De toda forma, o tema da saúde, como o da educação, exige um nível de investimento importante. São temas que, obrigatoriamente vão necessitar uma mudança na política econômica muito profunda, se não tiver mudança na política econômica, não vamos ter condições de melhorar. Hoje são cerca de 700 mil pessoas esperando consultas. Tem que ter investimento público. Nós gostaríamos que fosse estatal, como é na Inglaterra. No Brasil, infelizmente, a saúde está sendo privatizada. Isso vem de muito tempo, tanto que são convênios com os hospitais privados.
Falando de segurança pública. Nos primeiros anos, o atual governo enfrentou recorde de aposentadorias e um dos menores efetivos da história do RS. É possível resolver a situação da segurança sem aumentar o contingente? Como analisa essa questão?
Eu acho que essa crise é real, existe esse problema da falta de reposição e tem que haver a reposição, existe também o problema da infraestrutura. Este ano tivemos a morte de um policial que morreu porque o colete estava vencido. Mas, eu acho que o problema da segurança pública não é só esse e creio que apostar só nisso é enxugar gelo. A abordagem nossa sobre segurança pública, tanto nacional, quanto estadual, é que tem que mudar de modo radical a política de segurança pública. As pessoas, o senso comum acham que é aumentar efetivo, aumentar as penas, colocar as pessoas dentro da cadeia, como se isso fosse a solução. É necessário, porque se a pessoa tem um crime e a pena é cadeia, bem, a pessoa tem que ser encarcerada, assim é a lei. O problema é que isso não resolve. Se resolvesse o problema, teria que estar melhor já [a situação]. Nós, em 2000, tínhamos cerca de 13 mil pessoas encarceradas no sistema prisional do Rio Grande do Sul, atualmente temos 40 mil. Então, se multiplicou com aumento muito superior ao da população e a segurança está pior. Não adianta só prender, isso é um erro grave, achar que prender resolve. Defendemos que, antes que seja tarde demais, porque o Brasil ainda não é o México em termos de vinculação das gangues do crime, mas temos um quadro que está avançando muito isso e tem que mudar a política de drogas. Não pode mais ser ilegal o comércio de drogas, porque se continuar vamos cada vez mais dar recursos [para o crime]. O consumo não diminui, vamos dar um lucro fácil para um tipo de negócios que tem a violência como elemento central. Se o comércio é ilegal, a violência é o elemento que decide quem tem mais ou menos mercado. Achamos que o comércio de drogas não pode ser ilegal, isso é uma mudança nacional e em alguns países, como Estados Unidos, Uruguai, Canadá e Portugal, também. Essa política de guerra às drogas foi pensada durante o governo Nixon nos EUA, quando ele governava, foi uma decisão da ONU. Isso é o primeiro, não dá para continuar com essa política.
E a nível nacional, mas é um debate que vamos fazer na campanha estadual porque também um governo estadual pode dar opinião política sobre isso, forçar um debate, forçar a mudança na legislação. Teria que ter mudado já, o Brasil teria que ser vanguarda nisso e, infelizmente, não foi. Foi uma das grandes falências dos governos do PT, que tinham essa obrigação básica, porque é algo óbvio. Até conservadores aceitam isso, tanto que o Milton Friedmann, um economista neoliberal, defende isso. O Paul Volker, que era presidente do Banco Central dos Estados Unidos, defende isso. Isso é uma tragédia, nós sabemos o peso que tem. Por exemplo, no caso do PSOL, tivemos uma vereadora assassinada (Marielle Franco, executada em março deste ano) em função dessa realidade, desse comércio ilegal de drogas que faz com que a própria polícia se vincule com o tráfico. Então, o governo do Estado pode ajudar o debate a ser feito e é ele que orienta a polícia. Nós achamos que a polícia não pode seguir fazendo o que faz hoje, prender jovens que estavam fazendo o comércio ilegal de drogas, que encarceram em presídios onde a maior parte dos presos é vinculado ao comércio ilegal de drogas, esse jovem que é preso sai preparado para cometer crimes muito mais violentos, ao mesmo tempo, o que foi preso é substituído por outros. O governo pode e deve priorizar o combate ao latrocínio, ao homicídio, ao feminicídio. Hoje em dia, 8% das investigações de homicídio são levadas até o final. A população carcerária, a menor parte é de homicidas e o crime contra a vida é muito mais importante. Hoje em dia, se tu é assaltado e o sujeito só te leva a bolsa, tu é capaz de agradecer. A verdade é que está tão perigoso ser assaltado e, por nada, levar um tiro, uma facada, porque está banalizado. O crime contra a vida está banalizado. O sujeito tem que saber que se ele matar, a pena vai ser grande. Hoje, está desierarquizado.
Quando se fala na crise financeira e econômica do Estado, há quem questione que os governos falam em cortar gastos, mas não se referem à geração de receita. Qual a sua estratégia para desenvolver a economia gaúcha?
Acho que o Rio Grande do Sul tem esses problemas que a gente estava falando antes. Segundo os técnicos da Receita, se poderia ter um aumento dela em R$ 3 bilhões, 4 bilhões, se tivesse combate efetivo à sonegação. Os próprios técnicos da Receita, organizados em sindicato, têm uma leitura de que o Estado colabora com o crime. Isso não é de agora, isso vem desde sempre. Todos os governos que passaram não deram combate à sonegação, por isso que hoje está tão naturalizada. Eles afirmam que podem recuperar muito as finanças do Estado, se houver um combate efetivo, se o Estado não for conivente com o crime. Evidentemente que o Estado RS tem problemas de pagamentos de salários, que precisa garantir que seja feito em dia. Eu acredito que garantindo o pagamento em dia, pelo menos, se anima um pouco mais o comércio dos municípios de modo geral. Os servidores públicos têm peso no PIB. Quase 70% do PIB do Rio Grande do Sul é baseado em serviços, se conseguir recuperar o salário e ter a remuneração em dia, isso vai animar muitas economias locais. Não tem mágica para crescimento econômico. O país, na crise que está, com três anos de recessão muito profunda, quase 10% de queda do PIB, que deixa difícil a recuperação. Na minha opinião, é preciso incentivar muito a pequena agricultura, que é geradora de emprego, ter uma política de cooperativas. Ao invés de ter essas isenções fiscais, que beneficiam, por exemplo, Souza Cruz, Philip Morris, essa Videolar, John Deere, grandes empresas capitalistas que o incentivo é muito alto, mas o retorno é baixo. Temos que priorizar o pequeno comércio, sobretudo as cooperativas, a pequena agricultura e os servidores públicos. E também o Banrisul entrar, porque ele tem que cumprir uma função social mais ativa. No passado, ele teve lucro de R$ 1 bilhão, no ano passado, R$ 600 milhões, ele precisa entrar com uma política mais ofensiva de crédito barato. Em muitos casos, as taxas praticadas pelo Banrisul são maiores do que do Itaú, do Bradesco. O banco do Estado tem que cumprir um papel mais efetivo e tem condições de fazer isso.
Falaste de uma questão que nos leva à próxima pergunta. A agricultura é uma das principais atividades econômicas do Rio Grande do Sul. O que pensa, no seu plano de governo, para o pequeno agricultor e o agronegócio em geral?
Tem que ter crédito. Tem que tentar incentivar mais o pequeno agricultor. Temos um problema no Rio Grande do Sul, que está se convertendo em um Estado, quase que exclusivamente de produção de soja. Isso é um problema, porque leva também à dependência dos megaempreendimentos no agronegócio. Temos no PIB, algo em torno de 10% ligado à agropecuária, se pegar o impacto que ela tem nos serviços e na indústria, isso provavelmente significa uns 40% do PIB. É um efeito multiplicador, é difícil fazer esse cálculo, mas a USP tem um cálculo para o plano nacional que diz que o agronegócio tem um peso de uns 20%, a partir de ter 5% na participação total. Mas o RS tem mais peso que o resto do país. Então, é um recurso grande, muito importante na economia. Agora, temos que buscar que o pequeno agricultor seja menos dependente dos grandes. A política nacional de crédito faz tempo que está parada, não está tendo uma política de incentivo para a pequena agricultura e no Estado é assim também. O Banrisul tem que entrar com uma política pesada. Evidentemente que tem que discutir com a pequena agricultura para diversificar a produção. Também é importante fazer um debate com o MST que, no Rio Grande do Sul, tem a produção orgânica, que é conhecida mundialmente. Tu buscar avançar nisso, com os limites que tem o governo do Estado, porque o agronegócio já faz seus negócios e tem ganho com isso, mas incentivar a pequena propriedade, as cooperativas e uma relação com o MST que permita dar mais peso e força para esse tipo de produção orgânica, para disputar mercados. Sabemos que há uma boa parte da população mundial que quer um tipo de produção mais saudável, acho que teríamos que pensar nisso.
Recentemente, vimos a polêmica em torno do contrato de concessão da Triunfo-Concepa para a Free-Way. Ao mesmo tempo, a situação das estradas é uma das maiores reclamações dos gaúchos. Como o senhor pensa nessa questão? Voltam pedágios ou não?
O ideal é que o dinheiro dos impostos pagos pela população fosse o suficiente para a manutenção das estradas. Mas compreendemos que, neste momento, com o nível de colapso dos governos e a crise do Estado, é inevitável haver algum tipo de financiamento além dos tributos. Não é possível eliminar os pedágios. Mas é possível, sim, que esses pedágios sejam mais baratos e que os serviços prestados sejam de melhor qualidade, tanto na manutenção das estradas quanto em outras questões, como no atendimento pré-hospitalar em acidentes e no guincho em casos de problemas mecânicos. Precisamos fazer uma relação custo-benefício que seja a melhor para a população, com preços justos, mas que mantenham a capacidade de manutenção das estradas.
A Free-Way é um símbolo da incapacidade dos governos de lidar com o problema. Era tida como uma estrada modelo, com elogios à Triunfo Concepa, mas veio à tona a denúncia do asfalto maquiado – a empresa escondeu deformações da rodovia antes de inspeção, segundo a ANTT. Isso mostra o mal que a terceirização representa à infraestrutura do Estado e aos serviços públicos de modo geral. É impressionante constatar como o governo federal foi incapaz até mesmo de gerenciar a concessão da Free-Way. Agora, a estrada possivelmente passará à EGR. Ainda bem que temos a EGR, que, mesmo prestando um serviço com várias precariedades, garante a gestão pública das estradas. Se ela não existisse, não sabemos como ficaria a Free-Way. Mas é importante notar que, se o governo federal não repassar recursos, é possível que a EGR enfrente grandes dificuldades.
É uma situação de descalabro. O mais grave é deixar chegar ao nível de deterioração que estão as estradas gaúchas. Isso gera problemas em diversos setores: aumenta o risco de acidentes, amplia o desgaste dos veículos, provoca o aumento do tempo do transporte e encarece a produção. É uma crise séria, porque é resultado da falta de investimentos dos governos federal e estadual. É mais uma expressão da falta de atitude, ou melhor, da opção pela precarização de tudo que é público, política dos governos de Temer e de Sartori.
O candidato à presidência pelo PSOL, Guilherme Boulos, esteve no Rio Grande do Sul duas vezes, participando de eventos com o ex-governador Tarso Genro (PT), para discutir a união das esquerdas nessas eleições. Como o senhor vê isso?
A união em defesa de interesses e direitos da classe trabalhadora, da juventude, ela é sempre necessária. A maior unidade possível, na luta para defender direitos, para evitar o avanço de forças fascistas. Às vezes, a unidade é de esquerda, às vezes, inclusive, deve ser mais ampla que a unidade da esquerda quando se trata de ação concreta, na luta para enfrentar problemas. Em um processo eleitoral, a responsabilidade de um partido político é apresentar seu projeto. Nesse caso, a ideia de unidade de esquerda também é boa, ao mesmo tempo, é preciso qualificar, para saber do que se está falando. Porque termos como esquerda, centro-esquerda, direita, são termos que devem ser precisados. Por exemplo, na Argentina, o que no Brasil às vezes é considerado de esquerda, é chamado de centro-esquerda. Hoje, no quadro político brasileiro, por exemplo, PT e PDT podem ser considerados de centro-esquerda, como uma definição mais precisa, se fosse colocar as coisas nos termos de extrema-direita, direita, centro-esquerda. Nesse caso específico, se viu muito bem que a relação da cúpula do PT, em relação ao Ciro, por exemplo, foi uma posição de negar essa possibilidade de unidade da esquerda e da centro-esquerda, quando tirou o PSB, que estava indo para apoiá-lo, para que tivesse uma posição neutra. Na prática, reduziu muito o tempo de televisão do Ciro, portanto, dificultando sua eleição, e até mesmo colocando um risco, que talvez com o andamento da eleição diminua, mas que até o momento em que a cúpula do PT esvaziou o nome dele, poderia ser a vitória de um Geraldo Alckmin (PSDB) e de um Jair Bolsonaro (PSL), indo os dois para o segundo turno. Mas isso são avaliações políticas, hipotéticas, avaliações de forças momentâneas. Até porque, dois de direita irem para o segundo turno, pode não acontecer. Essa discussão de unidade da esquerda tem que ter essa qualificação. No caso do PSOL, justamente, eu em particular, acho que a unidade da esquerda é uma chapa que envolva PSOL, PCB, PSTU. Nesse caso específico da eleição presidencial, a importância é apresentar um projeto do PSOL para mostrar a necessidade de uma nova política, mas de uma política nova, no sentido simbólico. Porque em termos clássicos é afirmação do interesse de classe que devem ser afirmados e, infelizmente, não estão sendo afirmados durante muito tempo. Pelo menos, não com a força necessária, que são os interesses da classe trabalhadora, do povo pobre que, infelizmente, está sem representação política.
O PSOL atualmente tem um deputado na Assembleia Legislativa, mas, a nível nacional, o partido decidiu lançar todos os seus nomes fortes à candidaturas esse ano porque o foco seria o Legislativo. Aqui no RS também é assim? Como vereador, como avalias a importância da presença no Parlamento?
No PSOL do Rio Grande do Sul e nacional há uma preocupação com o conjunto dos cargos para deputado estadual e federal. Nós damos muita importância para a luta parlamentar, embora tenhamos uma visão de que a mudança estrutural para ocorrer necessita inevitavelmente de mobilização social, de luta popular, de luta juvenil, do povo, mas a construção, a força do Parlamento, também ajuda nesse sentido. Como temos mostrado, temos vereadores em Porto Alegre, a eleição do Pedro Ruas para deputado estadual foi importante, queremos reelegê-lo. No caso específico da chapa federal, colocamos para deputada federal a camarada mais votada para a Câmara de Vereadores da cidade de Porto Alegre, a Fernanda Melchionna. Ela é uma jovem militante, num nível de popularidade claramente em ascensão, razão pela qual estamos muito confiantes que ela se eleja deputada federal, para nós essa eleição é chave e estamos concentrando no nome dela, para fazer essa disputa e ter essa vitoria. A Luciana Genro também vem como candidata a deputada estadual, no caso dela, claro que também tem uma leitura da importância de um trabalho de base contínua em Porto Alegre. Ela tem desenvolvido um trabalho de base que exige a presença dela na cidade, porque ela mesma faz isso, não delega, que é o Emancipa Mulher, da luta das mulheres contra o machismo, o Emancipa Cultura, o Emancipa original, cursinho de educação popular gratuito, que tem feito que, ao longo dos últimos anos, 500 jovens que passaram pelo Emancipa tenham entrado na universidade. E, particularmente, o que também exige presença física, que é o Emancipa Restinga, a casa do Emancipa na Restinga, um trabalho popular extraordinário. A Luciana quer fazer esse trabalho de base em Porto Alegre, indo a deputada estadual facilita muito, cria mais força, mais aparelho, mais condições materiais para amplificar esse trabalho e realizar outros. Temo também o Jurandir, em Pelotas, que também é pré-candidato a deputado estadual. Nós queremos aumentar nossa força no Legislativo estadual e entrar na Câmara Federal novamente, com nossa jovem combativa e vereadora mais votada, Fernanda Melchionna, que agora vai poder receber o voto do interior do Estado.
Por que o senhor decidiu ser candidato a governador?
Por obrigação. Obrigação em que sentido? É a consciência do dever. Acho que temos um quadro na política tão ruim, só que ela é necessária. A política que eu defendo, como atividade de emancipação, não a política como é feita, para defender interesses da classe economicamente dominante. Se a crise existe, ela é paga pelos jovens e pela classe trabalhadora, nós precisamos inverter o jogo e precisamos organizar outra política. Para isso, não se pode deixar de organizar a disputa quando temos um processo eleitoral, onde a própria classe dominante, a própria elite que se beneficia com a exploração do nosso povo diz que esse é o momento do povo debater, do povo decidir. Nós não pensamos assim, a nossa linha política é uma linha que defende que o povo deveria participar da política todos os dias, não só votando, mas se mobilizando, participando dos sindicatos, no local de trabalho, na comunidade. Esse é nosso desafio, o povo se auto-organizar para que haja outra política. Se nós tivermos a honra de receber o voto popular, para governar junto com o povo.
Qual a primeira medida que o senhor pretende adotar, caso seja eleito?
Primeira medida é chamar todos os sindicatos dos servidores públicos, buscar chamar as associações ligadas a sindicatos, as oposições sindicais também. Ou seja, chamar o movimento organizado dos trabalhadores do serviço público para discutir como, imediatamente, por em ordem o pagamento dos salários e sobretudo como, a partir desse corpo de trabalhadores, começar a mudar a gestão do Estado.
Entrevista realizada por Fernanda Canofre para o portal Sul21.