“A isenção fiscal que existe é indecente”

Pré-candidato ao governo do Rio Grande do Sul analisa a conjuntura política e explica como pretende combater a crise financeira do estado.

5 jun 2018, 18:17 Tempo de leitura: 6 minutos, 24 segundos
“A isenção fiscal que existe é indecente”

Roberto Robaina, 50 anos, pré-candidato ao Palácio Piratini pelo PSOL, é contrário à adesão do estado ao Regime de Recuperação Fiscal e, caso eleito, pretende buscar alternativas para tentar recuperar as finanças do Rio Grande do Sul. Em entrevista aos jornalistas Maicon Bock e André Mags na sede do Metro Jornal, Robaina apresentou também suas propostas sobre segurança pública, que incluem a mudança no foco da polícia dos crimes contra o patrimônio e da prisão de pequenos traficantes para o combate aos homicídios e aos líderes de facções.

Metro – Por que o sr. quer ser governador?

Roberto Robaina – Nós queremos construir uma alternativa para essa crise absurda e essa “involução” que a sociedade está tendo. Fazer com que o estado pague os salários dos servidores, tenha investimento em saúde e educação, uma mudança na política de segurança pública. Precisamos de uma política nova, que seja o oposto do sistema político tradicional em vigor, de partidos que sempre governaram a serviço das grandes empresas, dos sonegadores ou da reprodução dos seus interesses partidários. Queremos quebrar isso e empoderar o movimento democrático, de mulheres, dos trabalhadores, LGBT, movimento negro.

Há quatro anos, também concorrendo a governador, o sr. afirmou ao Metro que seu foco, caso eleito, seria suspender o pagamento da dívida com a União. Como vê o assunto hoje?

Desde a fundação do PSOL, nós questionamos o sistema da dívida, dizendo que inviabiliza o estado. Isso se confirmou. Ficou tão inviabilizado que até o governo Sartori teve que questionar na Justiça a continuidade do pagamento. O próprio STF deu liminar garantindo a suspensão do pagamento. Agora, precisamos trabalhar outros mecanismos econômicos para poder avançar em termos de financiamento público.

Qual a sua opinião sobre o acordo de adesão ao Regime de Recuperação Fiscal?

É ruim porque ele aumenta a dívida, proíbe investimentos públicos, contratação. Temos um deficit de pelo menos 25 mil policiais, necessidade de reajuste salarial e de pagar em dia os servidores. É preciso insistir nessa questão de suspender o pagamento e haver uma negociação.

Essa seria a alternativa à adesão ao RRF?

Na verdade, temos três pautas, além da questão da dívida. Primeiro, no caso da Lei Kandir, são mais ou menos R$ 4 bilhões ao ano que o estado perde ao não tributar a exportação de produtos básicos, e a União deve para o Estado cerca de R$ 40 bilhões. Levando em conta que hoje o saldo da dívida é de R$ 59 bilhões – o que é um absurdo completo porque a dívida já foi paga –, tem que fazer uma luta política para acabar com essa lei. Só quem tem ganho são os exportadores de soja. Segundo, o combate à sonegação. Temos no estado, hoje, R$ 43 bilhões de dívida em sonegação de impostos. O estado não está cobrando os sonegadores. Anualmente, perdemos R$ 3 bilhões, pelo menos um terço da folha de pagamento dos servidores. Terceiro, a isenção fiscal. Não somos contra que tenha uma política de isenções a empresas que consigam ter capacidade de gerar empregos, renda e riqueza. Mas a isenção fiscal que existe é indecente. Um exemplo chocante: a Assembleia Legislativa aprovou a isenção fiscal de R$ 380 milhões para uma empresa para gerar cinco empregos.

Como o sr. vê a paralisação dos caminhoneiros. É mesmo uma paralisação de trabalhadores ou é locaute de empresas?

Estive em Camaquã e na Refap. Os caminhoneiros são uma categoria judiada. Trabalham às vezes 24h por dia, 16h, 18h. Recebem um recurso baixíssimo. Eu apoiei a greve dos caminhoneiros. Agora está uma crise de abastecimento em que é preciso ter responsabilidade. O desabastecimento passa por exigir a demissão do presidente da Petrobras e a mudança da política de preços. Agora, estamos contra aqueles que tentam manipular o movimento dos caminhoneiros para, por exemplo, botar uma pauta regressiva, de intervenção militar.

O PSOL é contrário a privatizações. Qual seria a alternativa ao inchaço do estado e às dificuldades de sustentar suas empresas?

A primeira coisa é deixar de roubar o estado, de tomar medidas prejudiciais. Do contrário, vamos discutir como diminui a capacidade de induzir o desenvolvimento econômico em vez de discutir como defender a função pública do estado. Depois, tem casos absurdos. O Banrisul é um banco que poderia ser melhor se fosse mais controlado pelo povo. Por exemplo, a venda de ações que o governo encaminhou está tendo investigações. Tudo indica que foi prejudicial ao estado e para o banco, porque o governo permitiu que houvesse gente que vendesse por um valor maior e depois comprasse menor. A pauta das privatizações não serve. Não podemos achar que entregar patrimônio resolve o problema.

O sr. vai continuar atrasando os salários?

Não, ao contrário. Vamos pagar em dia e queremos ter política para reajuste porque são quatro anos sem reajuste. De onde se tira os recursos? Fazendo um governo que tenha uma política de enfrentamento aos privilégios e aos grandes empresários que se beneficiam do estado.

O sr. concorda com a alta na alíquota do ICMS? Baixaria o imposto?

Por lei, vai baixar. O governo Sartori aumentou e no fim do ano expira. Vamos ver se o governo vai pedir a prorrogação. Por enquanto, não está na pauta.

O que o sr. apresentou de projetos nestes 18 meses como vereador?

Tivemos projeto de estabelecer alíquota progressiva do IPTU, taxando os muito ricos, tratando de reduzir a carga tributária da classe trabalhadora e dos mais pobres. Fizemos uma série de projetos vinculados aos direitos do movimento LGBT, à cultura popular, à proibição de inaugurar obras inacabadas.

Como o sr. avalia a prisão do Lula por corrupção? Isso pode afetar a esquerda como um todo?

Embora eu considere que o PT, ao governar, aceitou manter as estruturas econô- micas e políticas do país e acabou reproduzindo a mesma lógica, copiando PMDB, PSDB, PP, e acabou se envolvendo, há seletividade. Ou seja, o tratamento ao PT é mais duro do que ao PSDB. Isso é um problema porque acaba se politizando o Judiciário. De uma certa forma, afeta a esquerda porque, no imaginário popular, o PT é esquerda. E nós somos esquerda, também. Então, essa identificação acaba existindo. O que nós insistimos é na nossa história, dos que não se venderam e seguiram afirmando as bandeiras da luta da classe trabalhadora.

O sr. defende que a polícia deve focar nos líderes de facções e grandes traficantes, que acabam não sendo presos nas operações policiais.

Se não mudar a política de drogas, a polícia vai enxugar gelo, porque hoje o centro de orientação é encarcerar jovens e negros das favelas pela sua relação com o tráfico de drogas. Não é possível mais seguir criminalizando o comércio das drogas. Agora, isso é competência nacional. Competência do estado é a orientação para a polícia. A nossa opinião é que a polícia tem que centrar no combate ao crime contra a vida, que é muito mais importante que o crime contra o patrimônio, embora este seja importante também.

Entrevista realizada pelo jornal Metro